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domingo, 26 de junho de 2016

Conto - Tempo Perdido



Uma flor amarela de umas seis pétalas crescia no meu jardim. Um espaço pequeno, quintalzinho quadrado de grama verdinha e com umas cercas brancas em volta: nada de especial. Ficava ao lado de uma rua nada movimentada, muito quieta, num cenário cinzento, desprovido de vida. Ela era a pincelada atípica de um tom vivo que faltava na minha cidade morta.

Ela fitava a rua vazia, como se esperando por algo: como eu. As vezes ficava triste, cabisbaixa, murcha: como eu. Mas de manhã sempre se levantava junto com o sol e lá dispendia horas a fitar o horizonte (como eu), talvez viesse o que tanto esperava. Eu torcia por ela, e sei que ela torcia por mim. Mas, como sempre se repetia, o ocaso se descortinava e nada novo vinha sob o céu.
Tínhamos aquela esperança que se esmaecia dentro de nós. Sempre lá, contando segundos, esperando que a luz se demorasse mais um pouco no céu, porque talvez algo se revelasse. Eu deitava ao lado dela, colocava a mão no rosto e suspirava. E depois de um tempo em que o mesmo cenário se repetia quadro a quadro, tudo ficou meio automático. Eu mal a olhava, mal me prendia a apreciar sua presença, só ensaiava a peça dolorosa dos nossos dias monótonos a fitar a selva de pedra da paisagem, esperando ver o menor sinal daquilo que tanto queríamos.
A vontade nos tornou egoístas, eu acho. Mal olhávamos pro lado, sempre centrados no futuro. O presente se tornou, aos poucos, uma mobilha indesejável nos recônditos dos nossos seres. Apenas queria o ver passar logo, e mal me toquei que quanto mais o futuro chegava mais presente ele se tornava. E, logo, eu também o indesejava. Tudo se resumia à fantasia de um tempo inexistente que eu fantasiava, algo destituído de ser, algo que não era palpável e nem estava esperando a hora de chegar em canto algum.
Num dia como todos os outros a flor me presenteou com a ausência. Nada se via além de matéria orgânica decomposta no meio da grama. Talvez sua esperança se desvanecera toda, e o sentimento bizarro de seu vácuo simplesmente a matou, pensei. E então eu me toquei. Ela sempre estivera ali. Ela era o presente insólito e singelo que me trazia conforto, e estava sempre garantida no futuro... até aquele dia.
Demorei pra me tocar que o futuro não existe, ele é só o presente que ainda não aconteceu, ele só é ele quando acontece, e mesmo quando o faz... não é o futuro. Eu vivi em função de sua espera, e no meio daquele ciclo vicioso um ponto final cruzou as minhas sentenças sem fim.
Me perdi numa projeção de tempo, e só me toquei que ele existia bem ao meu lado quando ele se tornou passado. Morri um pouco aquele dia, e fui obrigado a viver, sem a companhia da flor, o horrendo presente.


("Douglas Moreira")

terça-feira, 21 de junho de 2016

quinta-feira, 9 de junho de 2016

RESENHA - O clube dos anjos(Luis Fernando Veríssimo)

Um retrato do dia-a-dia de um grupo de cavalheiros viciados em comida. Entre eles, um assassino sem série: A Gula.


“Parecíamos um grupo de invasores de outra espécie que ainda não percebera que seu disfarce não funcionava, que o rabo ainda estava à mostra. Imagino que era isso que a mulher de André dizia, depois de descobrir que não éramos os sofisticados que ela pensava. Não é gente da nossa espécie, André. Deixa esse clube de malucos. Em vinte e um anos, tínhamos nos transformado em pessoas esquisitas.”


É o primeiro livro de Luis Fernando Veríssimo que leio, e confesso que já fiquei um pouco fã deste escritor tão icônico e irônico, de palavras simples e estrutura muito atraente ao leitor. “O clube dos anjos”, um livro que foi me cativando aos poucos, pedaço por pedaço, é daqueles que você acaba por pegar(emprestado na biblioteca, como foi o meu caso), esperando uma leitura casual e rápida, até porque na edição que eu encontrei o enredo se resume em 142 páginas.


Contudo, Veríssimo afunda o leitor na história de tal forma que, com certo sarcasmo, acabamos nos rendendo e lendo com mais voracidade ainda.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Crônica - Conformadamente inconformada


      Caminhava dando passos apressados, como se tivesse horário marcado. Não reparava nos outros transeuntes com medo de achar algum conhecido e ter que parar para cumprimentá-lo.
     "Oi", "tudo bem?", "e a família?", "o tempo está bom", "o tempo está ruim"... sempre aquelas mesmas conversas vazias, sem conteúdo, totalmente desnecessárias. Estava farta de sorrir o tempo todo, de ser educada o tempo todo. Que lhe fosse permitido um dia ruim, sem que lhe chegassem urubus procurando se saciar com as más notícias de sua vida. Queria ser ela, sozinha no mundo... quem dera... mas dizem que a  solidão sufoca a alma, mata os desejos, a vontade de viver. Afinal, para que serve a felicidade se não pode ser compartilhada?
     Ok, assumo que ela queria alguém; contudo, este não podia cercear seu espírito libertino, tampouco ser um desconhecido tão perdido quanto ela. Alguém para amar, zelar, proteger... mas não tinha tempo. Corria de tudo e de todos quando podia.
     Essa pobre moça, inconformada com o meio em que estava inserida, lutava o quanto podia para isolar-se da sociedade. Andava apressada, não porque tinha pressa. Ela só tinha medo de viver, de se permitir a fazer escolhas ousadas que talvez pudessem retirá-la do caminho traçado ainda na maternidade. Era uma áurea pulsante, ávida pela liberdade presa em um corpo que limitava os seus anseios.
     Estava cansada da vida que tinha, mas não se esforçada para mudá-la.

("Jéssica Stewart")

sábado, 4 de junho de 2016

Lançamento Darkside - O menino que desenhava monstros - JUN/2016

        Olha a Darkside arrasando novamente! Desta vez com esta maravilha da edição que ficou o livro "O menino que desenhava monstros", de Keith Donohue. O release e as informações técnicas estão logo abaixo.

Todos já desenharam monstros na infância,

mas poucos conseguiram dar vida a eles.

Keith Donohue escreve histórias realmente assustadoras. Não aquelas com sangue por todos os lados ou sustos premeditados para fazer o leitor pular da cama. O horror está nas sutilezas que são capazes de fazer a pele formigar e nos dar a certeza de que estamos diariamente interagindo com o sobrenatural.

Jack Peter é um garoto de 10 anos com síndrome de Asperger que quase se afogou no mar três anos antes. Desde então, ele só sai de casa para ir ao médico. Jack está convencido de que há de monstros embaixo de sua cama e à espreita em cada canto. Certo dia, acaba agredindo a mãe sem querer, ao achar que ela era um dos monstros que habitavam seus sonhos. Ela, por sua vez, sente cada vez mais medo do filho e tenta buscar ajuda, mas o marido acha que é só uma fase e que isso tudo vai passar.

Não demora muito até que o pai de Jack também comece a ver coisas estranhas. Uma aparição que surge onde quer que ele olhe. Sua esposa passa a ouvir sons que vêm do oceano e parecem forçar a entrada de sua casa. Enquanto as pessoas ao redor de Jack são assombradas pelo que acham que estão vendo, os monstros que Jack desenha em seu caderno começam a se tornar reais e podem estar relacionados a grandes tragédias que ocorreram na região. Padres são chamados, histórias são contadas, janelas batem. E os monstros parecem se aproximar cada vez mais.

Na superfície, O Menino que Desenhava Monstros é uma história sobre pais fazendo o melhor para criar um filho com certo grau de autismo, mas é também uma história sobre fantasmas, monstros, mistérios e um passado ainda mais assustador. O romance de Keith Donohue é um thriller psicológico que mistura fantasia e realidade para surpreender o leitor do início ao fim ao evocar o clima das histórias de terror japonesas.

Um livro para fazer você fechar as cortinas e conferir se não há nada embaixo da cama antes de dormir. O Menino que Desenhava Monstros receberá o tratamento monstruoso já conhecido pelos leitores da DarkSide® em 2016. A história também ganhará uma adaptação para os cinemas, dirigida por ninguém menos que James Wan, o diretor de Jogos Mortais e Invocação do Mal

Ficha Técnica
Título | O Menino que Desenhava Monstros
Autor | Keith Donohue
Tradutor | Cláudia Guimarães
Editora | DarkSide®
Edição | 1ª
Idioma | Português
Especificações | 260 páginas (estimadas), Limited Edition (capa dura)
Dimensões | 16 x 23 cm


darksidebooks.com | 
facebook.com/darksidebooks | 
vc@darksidebooks.com



A pré-venda já está disponível no link a seguir: Pré-Venda O menino que desenhava monstros

quinta-feira, 2 de junho de 2016

RESENHA - Onze(Mark Watson)

O meu exemplar, publicado no Brasil
pela Rai Editora
Um livro tímido até na capa, mas uma história arrebatadora e de palpitar o coração. Onze, de Mark Watson, (até então passando despercebido em minha estante), deu-me uma boa lição de como não julgar um livro pelo seu título.


Xavier e Murray são dois apresentadores de um show da madrugada londrino que acalenta os sonâmbulos ingleses em suas noites em claro. Aparentemente próximos um do outro, descobrem-se verdadeiros conselheiros nos mais diversos aspectos, desde ouvintes com problemas amorosos até alguns à beira de um colapso nervoso, dispostos a dar um ponto final à suas vidas.


É um trabalho difícil, pelo peso que o show acabou ganhando em sua audiência fiel, e a responsabilidade que caiu nas costas de Xavier por vezes o deixa em dúvida quanto à sua real importância na vida de todas as pessoas que ligam para ele, rostos que ele nunca viu, vozes por vezes inéditas, em outras, regulares e desesperadas. Há, de certo modo, uma forma de afetar a vida do próximo, indiretamente, através de seus atos cotidianos? Estamos todos conectados por uma imensa teia de acontecimentos?